Uma excelente oportunidade para ver um grande espectáculo. A entrada é livre, sujeita aos lugares disponíveis.
Segundo a divulgação da Casa da Música, João Reis interpreta A Febre, monólogo incómodo de Wallace Shawn, actor que reconhecemos de filmes de comédia norte-americanos, mas que é também autor de peças politicamente controversas. Neste texto de 1990, o dramaturgo explora sem piedade a ambiguidade moral da América liberal na relação com os países do "terceiro mundo". Num cenário de guerra, um homem adoece num miserável quarto de hotel. Olhar pela janela implica testemunhar execuções e outras atrocidades. Mergulho em profundidade na consciência da culpa, este A Febre encenado por Marcos Barbosa tem em João Reis um intérprete inteiro, que nos devolve um teatro para ver o mundo no dia em que o mundo olha para o teatro.
A Febre é um texto político, com certeza, mas não como esses outros, aqueles outros, esses tais que sabiam a verdade toda, e a verdade logo com V grande, ó caneco, e não admitiam qualquer "senão", nenhum "porém", nem sequer um tremelicante "quê?". Não, este A Febre não é nenhuma cassete desbobinada a partir do púlpito ou do palanque, aqui não há nada dessa pose de "dono da verdade" de tanto texto dito "político". Aqui "político" não precisa de aspas, aqui "político" não é a tradução nacional-porreirista de "fraquito", ou "ali entre o medíocre e o mediano", ou chato-como-a-potassa-mas-aguentem-lá-em-nome-da-crença-ideológica-ou-clubística-cá-da-malta. Nesta magnífica peça - monólogo? conto? ensaio? discurso? - de Wallace Shawn, o político vem do próprio texto, não aparece imposto de fora, caído de pára-quedas, descido dos céus para nos vender uma qualquer metáfora-lição em palavras de pedra. Aqui o político surge das entrelinhas da vida; de uma vida na primeira pessoa que nos é mostrada mais do que explicada. Aqui o político implica-nos de imediato porque parte de um viver concreto, de uma história bem-feita, isto é, feita verdade.
- Jacinto Lucas Pires -
Excerto de "Punho fechado". In Solos: [Programa]. Porto: Teatro Nacional São João, 2010.
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